Lesões de cartilagem no esporte: desafios no tratamento

Uma das práticas mais desafiadoras da ortopedia e da medicina esportiva é o tratamento de lesões musculoesqueléticas que requerem uma reabilitação prolongada e um retardo no retorno ao esporte, especialmente quando se trata de um atleta profissional que tenha sofrido uma lesão na cartilagem articular.

Tomada de decisões clínicas

O atleta que sofre de uma lesão na cartilagem apresenta-se tipicamente com dor, inchaço, travamento ou uma combinação desses sintomas. Como já dito em outros artigos aqui no Eu Atleta, o inchaço no joelho, conhecido em medicina como derrame articular, é a inflamação sinovial causada por resíduos de cartilagem e proteínas inflamatórias. Considerando que a cartilagem é avascular e aneural, a presença de dor é um forte indicador de inflamação sinovial e/ou envolvimento do osso subcondral (osso logo abaixo da cartilagem lesionada). Além disso, os sintomas mecânicos (como travamento ou pseudo-instabilidade) são conhecidos por estarem relacionados à apresentação intra-articular de corpos livres soltos, retalhos de cartilagem ou osso exposto.

A chave para entender por que muitos atletas com lesões de cartilagem documentadas por ressonância magnética ainda são capazes de praticar seu esporte pode ser explicada pelas características anatômicas únicas da cartilagem. Estudos recentes mostram que até 14% dos atletas com lesões de cartilagem podem se apresentar assintomáticos, mesmo com lesões de espessura total. Principalmente em esportes como voleibol, futebol e basquete, a patologia da cartilagem pode se apresentar assintomática independentemente de qualquer perda de função ou indicação cirúrgica futura.

O paciente ideal e o tempo de tratamento

Em revisão sistemática publicada em 2016, pacientes mais jovens (com menor tempo pré-operatório dos sintomas e sem intervenções cirúrgicas prévias) mostraram melhor prognóstico e retorno mais precoce ao jogo após o tratamento cirúrgico. A adesão aos protocolos de reabilitação e defeitos de cartilagem de menor tamanho também são fatores prognósticos positivos.

Os preditores de um resultado bem-sucedido são:

  • Pacientes jovens com lesões traumáticas (menos de 25 anos em atletas, menos de 30 anos em atletas recreativos);
  • Ausência de atraso no diagnóstico e tratamento (dentro de um ano após os sintomas);
  • Ausência de cirurgias ou lesões anteriores;
  • Defeitos menores de 2 cm².

Indicações para cirurgia

Um dos desafios que o médico enfrenta ao lidar com um atleta que sofre de defeito na cartilagem é determinar se os sintomas estão relacionados à lesão. Examinar e confrontar com o que se encontra nos exames de imagem é sempre muito importante.

Quando existe dúvida ou quando o atleta não pode ser submetido a tratamento cirúrgico naquele momento, um tratamento conservador, incluindo fisioterapia, medicamentos, suplementos e injeções intra-articulares (corticosteroides, ácido hialurônico e outros ortobiológicos) são a abordagem de primeira linha e podem auxiliar o médico no diagnóstico diferencial.

Quando estes falham e existem sinais de que a doença cartilaginosa está em evolução, como agravo da dor, inchaço permanente e incapacidade de ganho de massa muscular, indicações para cirurgia podem ocorrer.

Considerando que o parâmetro de sucesso mais importante para o atleta seja o retorno ao esporte de alto rendimento, qualquer tomada de decisão cirúrgica compartilhada ou algoritmo de tratamento focará neste fator determinante. Consequentemente, o momento e o tipo de tratamento cirúrgico são fatores importantes a serem considerados. Atletas com sintomas menores podem às vezes tentar atrasar o tratamento devido a fatores contratuais ou sazonais combinados. Porém, uma vez que seu desempenho seja afetado, os sintomas se tornam mais aparentes ou surgem sintomas mecânicos, a cirurgia é indicada.

Tratamento deve ser baseado em evidências científicas

O desafio continua a ser seguir um algoritmo de tratamento comum para lesões de cartilagem em atletas. As necessidades atléticas específicas e os parâmetros multifatoriais requerem uma abordagem individualizada.

Fatores preditivos como características da lesão, idade e envolvimento ósseo estão diretamente relacionados ao retorno precoce às atividades esportivas e ao retardo do tempo de reabilitação.

Técnicas cartilaginosas atuais

  • Pequenos defeitos funcionam bem com a mosaicoplastia, um transplante cartilaginoso em formato de plugue retirado do próprio paciente.
  • Em defeitos médios e grandes, a técnica conhecida como membrana autógena indutora de condrogenese (AMIC) ou biomembrana é indicada por seu potencial indutor na formação de tecido cartilaginoso rico em colágeno tipo 2, muito semelhante ao tecido nativo do atleta.
  • Quando o osso logo abaixo da cartilagem (osso subcondral) está envolvido, a técnica conhecida como “sanduíche”, onde enxerto ósseo é também implantado na lesão, produz melhores resultados.

Dilemas ao se tratar lesão cartilaginosa em atletas

Além da experiência pessoal do cirurgião, familiaridade com as técnicas e disponibilidade de tecnologia, alguns fatores tem de serem levados em conta:

  1. Tamanho importa!
    Um defeito de 2 cm² em um jogador de futsal de 1,65 m de altura requer uma abordagem diferente em comparação a um defeito de 2 cm² em um jogador de vêlei de 2,00 m de altura (mesmo na mesma localização anatômica exata), pois o gesto esportivo e a biomecânica terão impacto direto na evolução da lesão.
  2. Localização da lesão
    Lesões em regiões diferentes do joelho podem resultar em sintomatologia diferente e impacto no desempenho.
  3. O envolvimento ósseo é importante
    O envolvimento do chamado osso subcondral, localizado logo abaixo da cartilagem, pode indicar um prognóstico pior.
  4. Cirurgia anterior complica o processo de tomada de decisão
    Como lesões de cartilagem pós-meniscectomia (retirada de menisco). Em casos assim, muitas vezes, acabamos indicando procedimentos que alteram o alinhamento das pernas, como a osteotomia, para reduzir o peso sobre a lesão.
  5. A patologia concomitante precisa ser tratada
    Insuficiência do LCA, displasia troclear com instabilidade patelar, ruptura meniscal lateral complexa, alinhamento em varo do joelho.
  6. O tempo é a chave
    Quanto mais rápido e efetivo o tratamento, melhor.

Conclusão

O tratamento de lesões de cartilagem no atleta continua sendo um desafio multifatorial e multidisciplinar, apesar de uma quantidade significativa de novas opções de tratamento disponíveis.

Um histórico baseado em evidências, avaliação clínica e radiológica e algoritmo de tratamento permite que o médico indique a abordagem correta e individualizada do atleta. A tomada de decisão compartilhada e os protocolos realistas de retorno ao jogo, ajustados às necessidades específicas do atleta, são obrigatórios para alcançar o resultado esperado.

Em caso de dúvidas, entre em contato com um dos especialistas do Espaço Ortopedia ou agende sua consulta pelo e-mail clinica@espacoortopedia.com.br